Monday 1 February 2016

É "mensoore" (めんそーれ) ou "mensooree" (めんそーれー)?

Olá a todos, hoje lembrei-me de uma conversa que tive com um amigo a respeito dessa palavra. Qual o uchinaanchu que nunca ouviu falar do famoso "mensooree"?

Acho que deve haver muitas dúvidas com respeito à grafia correta. Afinal, sempre que tentamos escrevê-la, acabamos por tentar reproduzir aquilo que temos guardado na memória. Só que nem sempre aquilo que a gente acha é, de fato, a representação do que é realmente dito.

Bem, "mensooree" é uma das formas imperativas do verbo "mensheen". Vamos falar mais detalhadamente sobre ele no artigo de hoje.

Em uchinaaguchi, existem diversas formas para se dizer "ir", "vir" e "estar". Se você buscar no dicionário, 

ir - ʔichun
vir - chuun
estar - wun

No entanto, há situações que requerem uma maneira mais polida de se dizer esses verbos. A maneira mais polida e cerimoniosa é "ʔimensheen" (tem um "i" depois da parada glotal). Essa palavra pode substituir qualquer uma das três acimas acrescentando polidez à oração.

Há maneiras menos polidas de se falar a mesma coisa. Os nobres de Shuri usavam a forma "ʔmensheen". Essa forma é bem rara, visto que somente a alta nobreza de Shuri usava essa forma. É até um pouco complicada de se pronunciar. Percebam que começa com uma parada glotal seguido de um "m". Na verdade, essa forma é uma corruptela de "ʔimensheen". Na hora de pronunciar, o "m" sai meio abafado e acaba virando uma semivogal. Apesar de a forma ser "ʔmensheen", acaba-se pronunciado algo como "ʔwensheen". É bem raro encontrar alguém hoje que use essa forma. 

Em Shuri, a forma "ʔimensheen" é preferida devido à herança de nobreza que tem o lugar. A forma "ʔimensheebiri" é o imperativo formal do verbo. Essa é a maneira mais polida de se dizer "bem-vindo" a uma pessoa.

Contudo, o mais comum mesmo é "mensheen". Essa é a forma que as pessoas que não pertenciam à aristocracia, ou seja, quem não tinha sangue azul, usava. É por isso que nós estamos mais acostumados com essa forma.

E como que se usa isso?

Imagine a seguinte situação. Você telefona para o seu amigo Taruu. Nesse caso, você pode perguntar:

Taruu ya wuibiimi?

Usei "wuibiimi" ali porque você ainda mantém uma certa formalidade em respeito à pessoa com quem você está falando. A maneira mais abrupta (0% de formalidade) de se dizer isso seria "Taruu ya wumi?"

Só que agora, em vez de perguntar sobre o seu amigo Taruu, vamos supor que você queira perguntar de alguém super importante, um VIP, como por exemplo, o presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil (atualmente é o senhor Eiki Shimabukuro).

Nesse caso, é necessário usar uma outra palavra. É preciso dar à frase um grau de formalidade que os verbos usuais "ʔichun", "chuun" e "wun" não trazem consigo. A palavra "mensheen" pode ser usada aqui.

Shimabuku-kaichoo ya mensheebiimi?

Só que a conjugação desse verbo é irregular. Faz-se da seguinte forma: 

Tabela 01 - Formas de "mensheen"

Eu já falei do imperativo num post antigo. Nesse post, eu tinha dito que havia duas formas imperativas que os livros chamavam de "imperativo I" e "imperativo II".

O imperativo I é uma maneira mais abrupta de dar uma ordem. Geralmente, ele vem acompanhado da partícula "yoo" para dar uma suavizada. O imperativo II é mais suave. Na ocasião, o exemplo tinha sido o verbo "comer" (kamun), mas a forma de se construir o imperativo é análogo também para "mensheen".

A desinência do imperativo I é um -i no final. A partícula "yoo" pode ser acrescentada depois.

A desinência do imperativo II é "-ee", ou seja, um "e" prolongado! É importante prolongar esse "e" no final. Da mesma forma que se diz "kamee", "yumee", "ikee" etc., diz-se também "mensooree"! Não é questão de "sotaque". Estamos falando de uma desinência que caracteriza um tempo verbal. Ao se usar hiragana, é imprescindível o uso da barra de prolongamento da vogal, escrevendo dessa forma めんそーれー. Analogamente, escreve-se かめー (kamee), ゆめー (yumee) e いけー (ikee).

Figura 01 - Aeroporto de Naha

Hoje em dia, é muito comum ver em Okinawa a palavra "mensooree" escrita nas mais variadas formas, principalmente em placas e anúncios. Muitas vezes, "mensooree" é escrito com "e" curto no final, ou seja, a prolongação do "re" final não é feita, grafando-se "めんそーれ".

A figura 1 ao lado mostra uma placa presente no aeroporto de Naha. Logo quando se sai da área das esteiras onde se pega as bagagens, dá-se de cara com esse banner.

Percebam que o hiragana traz escrito "Mensoore Okinawa", com "e" curto. O uso da língua nesse caso é muito análogo a um outro fenômeno também muito comum no Japão inteiro, a saber, o uso de uma língua diferente com fins puramente decorativos.

John Dougill, professor de cultura britânica da Universidade de Ryukoku em Kyoto, escreveu em 1987 um artigo entitulado English as decorative language (Inglês como língua decorativa). Apesar de ter sido publicado há 29 anos, o fenômeno é bem atual ainda hoje. Nesse artigo, ele diz que:

"Comparado com os caracteres chineses usados no dia-a-dia, o romaji (alfabeto romano) do inglês parece inteligente, sofisticado e moderno. De fato, só a diferença entre as escritas já é suficiente para 'sugerir associações glamorosas'. Uma empresa reconhece isso nos papéis para escrever que produz: 'The very best stationery for people who get excited when the see English all over everything' (Os melhores artigos de escritório para pessoas que se empolgam quando vêem inglês em todas as partes). Aparentemente, o inglês nunca é pelo menos lido, mesmo por estudantes e professores da língua: é puramente decorativo.
Essa função decorativa ajuda a explicar a alta frequência de erros de ortografia, gramática e usos esdrúxulos das palavras, visto que o meio, e não o conteúdo, o objeto da mensagem.(...)" [1]

Ele escreve tendo em vista esse uso decorativo da língua inglesa, mas a gente pode traçar o mesmo paralelo com o uchinaaguchi. A diferença é que o uso decorativo do uchinaaguchi traz associações diferentes. Enquanto o inglês tem um ar mais "moderno" e de "internacionalização", o uchinaaguchi tem um ar mais "okinawano", ou seja, aquele sentimento do "ichariba choodee". Okinawano tende a ser mais caloroso que o japonês. Ou seja, o uso decorativo da língua faz alusão aos estereótipos comuns que se atribuem a Okinawa. O fenômeno descrito é justamente igual ao que o professor John Dougill descreveu em seu artigo. A língua não tem fim comunicativo nenhum, portanto, não existe nenhuma preocupação com relação à ortografia correta da palavra, até mesmo porque os uchinaanchu de hoje, em sua maioria, não sabem falar a língua. Eles não têm como saber qual é a pronúncia correta.

O professor Dougill continua dizendo no mesmo artigo que:

"(...) A completa falta de preocupação com o aspecto comunicativo da língua corrobora a teoria defendida por muitos comentaristas ao longo dos anos de que, embora os japoneses sejam fascinados por línguas estrangeiras e pessoas, eles não se interessam muito em saber as coisas nos detalhes. No espelho do mundo do Japão, onde a aparência frequentemente diverge da realidade, o uso do inglês como uma língua decorativa não indica de maneira nenhuma uma tentativa séria de se aderir à sugestão de Kyoto para se tornar bilíngue." [2]

O mesmo pode ser dito para Okinawa. Em 2012, o atual governador de Okinawa Takeshi Onaga, quando ainda era prefeito de Naha, instituiu o Naha-shi Haisai Undou (Movimento Haisai de Naha). Nesse movimento, os funcionários da prefeitura da cidade deveriam saudar as pessoas falando "haisai" ou "haitai" e agradecendo com "nifee deebiru". O famoso "irasshaimase" do japonês foi substituído por "mensooree". 

Diz-se que o que fez com que o prefeito tomasse essa atitude foi justamente o Uchinanchu Taikai do ano anterior. Ao receber várias comitivas estrangeiras de Associações Okinawa espalhadas pelo mundo, muitos perguntavam por que eles (os políticos de Okinawa) falavam somente em japonês, sendo que estavam todos "entre uchinaanchus". Parece que ver o uso do uchinaaguchi vivo com os próprios olhos teve um impacto considerável nele.

Embora a intenção tenha realmente sido uma das melhores, o uso do uchinaaguchi nesse caso continua sendo puramente decorativo. O professor Dougill diz, num outro artigo publicado em 2008 sobre o mesmo assunto,

"O inglês funcional é diferente do inglês decorativo, pois aquele visa verdadeiramente a comunicação. Pode-se esperar aqui um nível melhor de inglês, mas esse não é sempre o caso. Todo japonês instruído estudou inglês por, pelo menos, seis anos e a maioria estudou por mais tempo do que isso. Porém, por razões culturais e linguísticas complexas, os resultados não são comensuráveis com o tempo e o esforço. Infelizmente, erros são inevitáveis devido às diferenças entre as duas línguas. (...)" [3]

Mais uma vez, o mesmo paralelo pode ser traçado para o uchinaaguchi. Perdem-se as nuances reais dos termos da língua. O objetivo principal não é usar a língua para comunicar, mas sim evocar uma determinada imagem. Para realmente entender como se usam os termos, é preciso estudar o idioma da mesma forma que se faz com inglês. Para entender a diferença entre "mensooree" e "ʔimensheebiri", é preciso saber o uchinaaguchi funcional, ou seja, a língua viva. Isso deveria ser ensinado nas escolas da mesma maneira que se aprende japonês. Sem esse conhecimento, há a possibilidade de incorrer no mau uso do termo. E isso é mais comum do que se pensa. Por razões históricas complexas, o povo de Okinawa hoje não é mais proficiente na sua própria língua, portanto eles não têm como saber também que o "-ree" de "mensooree" precisa ser prolongado até mesmo por questões gramaticais de conjugação verbal.

Figura 2 - Propaganda de um site da internet que mostra as redondezas de Shuri.
Pode-se perceber o uso de "imensheebiri"aqui.
O escrito diz: "Seja bem-vindo à cidade do Castelo de Shuri, que traz o vento e o aroma de Ryukyu

O termo "mensooree" é coloquial demais para ser usado num órgão importante da cidade. O mais adequado devido ao ambiente seria o uso de "ʔimensheebiri". Provavelmente, o termo em português que mais se aproxima de "mensooree" seria "venham!" ou "bem-vindo". Em japonês, seria "irasshai".

Agora "ʔimensheebiri" é diferente. É como dizer "sejam bem-vindos" numa situação cerimoniosa. Em japonês, é o "irasshaimase" por excelência.

Se, por exemplo, você for fazer um banner para um evento da comunidade, provavelmente não vai haver problema se utilizar "mensooree". Até mesmo porque, em muitas ocasiões, não há motivo para tanta formalidade. Mas, ao fazê-lo, esteja consciente de que o "-ree" final precisa ser necessariamente prolongado.

メンソーレー
Figura 3 - "Mensoore" usado como decoração numa faixa
Figura 4 - "Mensooree" com "ree" prolongado usado numa placa de izakaya estilo okinawano


Vejam as figuras 3 e 4. Ambas as formas são decorativas, mas uma traz o "mensoore" sem prolongação e o outro com prolongação. A ocorrência de ambas as formas é aleatória. No entanto, somente a figura 4 traz a ortografia correta.

Bem, vou parando por aqui para não me alongar mais do que já alonguei. Esse assunto ainda dá muito pano para manga. Diga-me o que pensa aqui ou na nossa página do Facebook.

Referências:


[1] DOUGILL, J. English as decorative language. English Today, n. 12, p. 33, outubro 1987.


[2] DOUGILL, J. English as decorative language. English Today, n. 12, p. 35, outubro 1987.

[3] DOUGILL, J. Japan and English as an alien language. English Today, n. 24, p. 20, março 2008.

Monday 13 July 2015

Batalha de Okinawa - 70 anos depois

Olá, amigos! Hoje, dia 23 de junho de 2015, é a data oficial do 70º aniversário do término da batalha mais sangrenta do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, a Batalha de Okinawa.
No entanto, o ex-governador de Okinawa Masahide Ota conta em seu livro que considera essa data um tanto imprecisa. Assim ele diz em seu livro Essays on Okinawa Problems:

"Comumente entende-se que a Batalha de Okinawa iniciou-se em 1º de abril de 1945, quando tropas americanas aportaram à ilha de Okinawa, e terminou no dia 23 de junho de 1945. (As forças americanas consideram que a batalha teve seu fim no dia 22 de junho). A maioria dos livros didáticos no Japão adotam o dia 22 ou 23 de junho para o fim da batalha.Na minha opinião, entretanto, essas datas são imprecisas e também inadequadas para refletir a dimensão da Batalha de Okinawa. Se se considera o dia 1º de abril para o início da Batalha, desconsidera-se o trágico incidente que levou aproximadamente 700 civis das Ilhas Kerama, direta ou indiretamente, a atos de autodestruição em massa. Outro fator que desapareceria da história da Batalha de Okinawa ao adotar 1º de abril como seu início é que, logo após as tropas americanas chegarem às ilhas Kerama, a Marinha americana pôs em vigor sua diretiva nº 01, suspendendo a administração e a jurisdição do governo japonês e declarando a área ocupada e seus residentes estarem sob o governo militar dos Estados Unidos. Essa diretiva, emitida no dia 23 de março de 1945 – anterior ao ataque americano à ilha principal – deve ser considerada como parte da Batalha de Okinawa.Similarmente, é também impreciso marcar a conclusão da batalha para o dia 23 de junho. No dia anterior, o Tenente General Mitsuru Ushijima, oficial em comando do 32º Batalhão japonês nas ilhas do sudoeste, e o Tenente General Isamu Cho, o chefe de Estado-Maior, perceberam que uma defesa organizada não era mais possível e cometeram suicídio. Contudo, enquanto os esforços de manter uma defesa organizada deixaram de existir no dia 22 de junho, combates localizados continuaram a ocorrer. Ademais, as tropas americanas aportaram em Kume no dia 26 de junho, fato que fez eclodir o terrível ‘Incidente de Kume-jima’, no qual as forças de defesa japonesas assassinaram 20 residentes de Kume e mais 9 soldados na suspeita de serem espiões americanos. Ao estipular o dia 23 de junho como término da Batalha de Okinawa, esse incidente, que era deveras típico e condizente com a natureza da batalha, passa despercebido."

(tradução minha)

Bem, o intuito não é questionar se a data de hoje é apropriada ou não para se comemorar o fim da Batalha. O relato do Sr. Masahide Ota chama a atenção para um fato que, às vezes, passa despercebido entre nós. Fatos históricos não são pontuais. São parte de um contínuo e, para analisar corretamente a natureza de um fato histórico, é necessário levar em consideração o contexto antes e as consequências que esse fato deixou para as gerações futuras. O Sr. Ota chama à nossa atenção fatos relevantes que tiveram um impacto significativo na Batalha de Okinawa, mas que ocorreram fora do intervalo de tempo oficialmente estabelecido no qual durou o evento.
Figura 1 - O ex-governador de Okinawa
Masahide Ota
A Batalha de Okinawa especificamente foi um evento histórico que marcou também a nós! Se considerarmos toda a comunidade uchinaanchu do Brasil, podemos dividí-la, a grosso modo, em famílias que vieram antes e depois "da guerra". E quantas histórias nossos pais e avós têm para contar dessa guerra, mesmo aqueles que vieram antes?! Os que não ficaram lá para ver com os próprios olhos tiveram que viver na apreensão, com o coração apertado, preocupados com os parentes queridos que ficaram na ilha.
São tantas memórias dolorosas que esse assunto é tabu em muitas famílias. De fato, para estudar esse evento histórico, é preciso ter nervos de aço às vezes. São muitos relatos de cortar o coração da gente.
A Batalha de Okinawa é extremamente complexa e envolve muita coisa, mas uma coisa que é bastante importante destacar é que falar as línguas locais de Okinawa poderia custar a vida dos civis da época. Há relatos de pessoas que foram friamente assassinadas por soldados japoneses por falarem um "dialeto incompreensível" e, por isso, foram taxadas de "espiãs".
Houve pessoas que foram mortas simplesmente por serem o que eram: uchinaanchus.
Todos esses relatos tiveram um grande peso no que viria décadas mais tardes. Entre 1945 e 1972, houve em Okinawa, agora sob a administração dos Estados Unidos, um movimento de exterminação do "dialeto" (Hougen Bokumetsu Undou) ainda mais forte e intenso nas escolas, levado a cabo pelos professores locais, numa tentativa de boicotar as políticas educacionais estabelecidas pelos americanos. As experiências passadas levaram os okinawanos (pelo menos, em sua grande parte) a crer que voltar a ser japonês era a maneira mais eficaz de se ver livres de novo. Foi justamente nessa época que as línguas de Okinawa sofreram uma repressão ainda mais acentuada. Já quando Okinawa voltou a ser parte do Japão em 1972, grande parte da população local já usava o japonês como língua corrente.
Assim, temos uma ideia de por que é tão difícil aprender uchinaaguchi. Mais complicado ainda é aprender as outras línguas de Ryukyu. Não somente devido ao fato de essas línguas terem sua complexidade intrínseca, mas porque foram extirpadas de seu prestígio inicial e sofreram tremenda repressão durante todo o século XX. A Batalha de Okinawa especificamente tem sua parcela de contribuição nisso. Não é à toa que a informação é extremamente escassa. Essa página, Línguas de Okinawa, tem o intuito de justamente suprir essa escassez!
Relembrar essas coisas, no entanto, não deve servir para fomentar desavenças ou mais ódio e apontar o dedo para culpados. Embora não seja nada agradável tocar nesses assuntos, é de suma importância fazê-lo para termos uma ideia do que foi perdido. Restaurar um pouco do prestígio de que as línguas de Ryukyu gozavam antigamente é uma maneira de suavizar os problemas atuais por que passa Okinawa. É importante para podermos pensar num futuro próspero e cheio de paz.
Enquanto isso, rezamos por todos que sucumbiram nessa batalha sangrenta, sejam okinawanos ou não!
Uutootu aatootu!!!
うーとーとぅ あーとーとぅ!

Figura 2 - Cerimônia do 70° aniversário do fim da Batalha de Okinawa com
o atual governador de Okinawa Takeshi Onaga

Sim e não! Afirmativas e negativas

Gusuuyoo!!! Nageesaibiin yaa!!!
Kuneedaa, ichunaku nati, nuun kachee wuran, guburii natooibiin!
(Ultimamente tenho estado ocupado e desculpe por não postar nada!)
Parte também era porque faltava ideia do que escrever aqui. Mas estava olhando os posts antigos e vi que prometi que iria abordar o tema de "sim" e "não" num outro post futuro.
Pois bem! Hoje resolvi escrever sobre isso, conforme o prometido. kkkkk
Bem, nas línguas atuais mais conhecidas, existem duas palavras muito bem definidas para expressar afirmação e negação. Em português temos "sim" e "não". Em outras línguas,
  • Espanhol: sí - no
  • Francês: oui - non
  • Italiano: sì - no
  • Romeno: da - nu
  • Inglês: yes - no
  • Alemão: ja - nein
  • Holandês: ja - nee
  • Russo: da - nyet
  • Finlandês: kyllä - ei
  • Japonês: hai - iie
  • Filipino: oo - hindi

No entanto, há línguas que possuem maneiras diferentes de expressar afirmação e negação. E não precisamos ir muito longe. Se formos considerar como surgiu o nosso "sim" e "não", vemos que até mesmo o Latim não tinha uma palavra específica para "sim". Bem, "não" em Latim era "non" mesmo. O "sim" é derivado de "sic", que era a palavra latina para "assim, dessa maneira". A palavra portuguesa "assim" vem de "ad sic".
No entanto, havia diferentes expressões para expressar a ideia de afirmação em Latim. São elas:
Ita
Ita vero

Mas em Latin, as pessoas poderiam simplesmente concordar (ou discordar) usando o mesmo verbo da pergunta!
Est puella pulchra? (A menina é bonita?)
Est (ou non est)

Fazemos isso também em português:
A menina é bonita?
É! (ou não é!)

Em vez de usar "sim" e "não" especificamente.
Bem, o "sic" explica o "sim", "sí" e "sì" do português, espanhol e italiano respectivamente. Mas o que dizer do "oui" francês?
"Oui" também vem do Latim, mas é interessante observar que, no caso do francês, o termo vem de "hoc ille", que se transformou em "o ïl". A expressão toda significa - literalmente - "(assim) ele é" e expressa uma afirmação. Isso era mais comum no território que hoje corresponde ao norte da França. Ao sul, a expressão era simplesmente "hoc".
Por essa razão, as línguas da França podem ser divididas em dois grandes grupos: línguas d'oil (que dizem "sim" através da expressão latina "hoc ille") e línguas d'oc (que dizem "sim" através da expressão "hoc" somente). O francês como conhecemos é um exemplo de "língua d'oil". No sul da França, mais ou menos ali perto da fronteira com a Espanha, existe uma língua chamada Occitano (ou Provençal). "Sim", nessa língua, é "òc".
Mas o Francês também tem outra maneira de dizer "sim" e essa maneira se parece muito com as outras línguas irmãs dela. Existe a palavra "si" em francês que significa "sim". Só que ela é usada como interjeição para discordar de uma oração negativa! Olha só:
Tu ne m'as jamais aimé, n'est ce pas? (Você nunca me amou, não é?)
Si!!! (Não, [eu te amo sim!])
Se fosse responder com "oui", a pessoa estaria concordando com a negativa.
Interessante isso, não?
Por que falei sobre tudo isso? Simplesmente para ilustrar o fato de que dizer "sim" e "não" pode ser muito mais variado do que imaginamos.
Vamos abordar agora o uchinaaguchi especificamente. Em uchinaaguchi existem três níveis diferentes de linguagem. Cada uma expressa um nível de formalidade diferente. Esses níveis são:
(1) Iihii
(2) Oohoo
(3) Uufuu
Esqueçam, por hora, o segundo nível. Vamos focar a atenção no (1) e no (2).
Cada um deles traz expressões não somente para "sim" e "não", mas também para interjeições do tipo "sim?" (respondendo a alguém que chama o falante") e "então..." (quando o falante está prestes a fazer um convite ou sugerir algo). Vamos exemplificar!
Considerando o (3) Uufuu, temos:
-------------
1) ʔuu = sim (expressa afirmação ou concordância)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/030/SNM03013uu==-00…
Naa munu kadii? (Já comeu comida?)
ʔuu! (Sim)
-------------
2) fuu = sim? (respondendo ao chamamento de alguém ou interjeição que exerce função fática, manter o contato com quem se fala)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/312/SNM31241huu=-00…
Taruu! ʔEe, Taruu! (Taruu! Ô Taruu)
Fuu? Nuu yaibii ga yaa? (Sim? Pois não?)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/312/SNM31241huu=-01…
Taarii, ʔusagarandee, duu nu tamee ʔaibiran kutu, doodin ʔusagamisooree, fuu!
(Pai, se não comer, não vai ser bom para saúde! Por favor, coma, vai?)
-------------
3) wuuwuu = não (expressa negação)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/050/SNM05045uuuu-00…
Chuu ya, gakkoo nu ami? (Hoje tem aula?)
Wuuwuu, neeyabiran. (Não, não tem.)
-------------
4) wuufuu = então... (quando o falante está prestes a fazer um convite)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/050/SNM05035uuhu-00…
Wuufuu, ʔichabira! (Então, vamos!)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/050/SNM05035uuhu-01…
Então, para ʔuufuu, temos: 1) ʔuu; 2) fuu; 3) wuuwuu e 4) wuufuu

Todos eles são usados quando o falante se dirige a alguém mais velho ou numa posição superior à dele. Isso é linguagem formal.
O ʔiihii segue exatamente a mesma estrutura! Só que, ao contrário do ʔuufuu, o ʔiihii expressa uma linguagem extremamente informal. É usado quando o falante se dirige a alguém mais novo ou que está numa posição inferior à dele. Dessa forma,
-------------
1) ʔii = sim (expressa afirmação ou concordância)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/010/SNM01002ii==-00…
Taarii, naa ʔukimisochii? (Pai, já acordou?)
ʔii! (Sim, já.)
Taarii? Unjoo, maa yaibii ga? (Pai, onde o senhor está?)
Hii? (Hein?)
ʔiyaa ya, yana warabaa yassaa!!! ʔiyaa ya nuu nu chimuee ya ga, hii???
(Mas é um moleque levado mesmo!!! O que você pensa que tá fazendo, hein?!?!?!)
-------------
3) yiiyii = não (expressa negação)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/020/SNM02067iiii-00…
ʔayaa, unjoo maagana nkai menshee ga? (Mãe, a senhora vai a algum lugar?)
Yiiyii, chuu ya ʔikan! (Não, hoje não vou!)
-------------
4) Yiihii = então... (quando o falante está prestes a fazer um convite)
Áudio: http://ryukyu-lang.lib.u-ryukyu.ac.jp/…/020/SNM02049iihi-00…

Então, vocês podem praticamente usar somente o (1) ʔiihii e o (3) ʔuufuu. O (1) quando vocês estiverem falando com alguém hierarquicamente inferior a vocês e o (3) quando a situação requerer formalidade e polidez com quem vocês estiverem falando.
E o que falar do (2) ʔoohoo???
O (2) já não é mais utilizado nos dias de hoje por um motivo muito simples. Hoje em dia, já não existe mais a organização de classes sociais que havia em Ryukyu antigo. Antigamente, a sociedade era dividida entre "deemyoo" (nobres da mais alta elite), "samuree" ou "yukacchu" (aristocratas) e "hyakushoo" (plebe ou pessoas comuns).
Entre samuree e hyakushoo, é natural imaginar que o samuree utilize o (1) ʔiihii, enquanto o hyakushoo utilize o (3) ʔuufuu. No entanto, caso o samuree seja bem mais novo e o hyakushoo seja um idoso, não seria apropriado o uso de (1) ʔiihii por ser demasiado vulgar e rude, mas também não seria apropriado o uso de (3) ʔuufuu, por ser demasiado formal e polido.
Nessa situação, o (2) ʔoohoo servia de meio termo e, assim como os outros dois casos, tem a mesma estrutura.


Dessa forma, pode-se resumir na tabela abaixo:

Figura 1 - Tabela resumindo as várias maneiras de falar "sim" e "não" e como responder a chamamentos
de acordo com cada nível de formalidade
Aqui vai um exemplo de como "hii" pode ser usado. O senhor de óculos chega dizendo: 
ʔIra hii! (Tô entrando, hein?!)

No que o homem responde:

ʔAi! Mensheebitii, ʔu-danna??? (Ué! Chegou, senhor?!)

O senhor de óculos usa um linguajar bem vulgar! Nesse caso, mostra como ele enxerga o casal à esquerda da figura. O casal, por sua vez, mantém a postura de formalidade, expressa na fala do homem.

 Figura 2 - Exemplo de iihii

Exemplo de uso de "ʔuu" (sim formal).

Mulher: ʔUnjoo, jin sai turee shimeesabirani? Saburoo-gwaa, kaban mucchi kuu wa!
(Se o senhor pegar o dinheiro, já é suficiente, não? Saburoo, traga a maleta!)

Saburoo: ʔUu!
(Sim!)

Percebe-se aqui uma relação de hierarquia entre a mulher e o rapaz. A mulher usa um linguajar mais coloquial. O rapaz, por ser mais jovem, responde usando linguagem polida.

Figura 3 - Exemplo do uso do "sim" formal

Hakuna Matata

Já assistiram ao "Rei Leão" da Disney? Quem não se lembra daquela dupla de javali e suricato que ficaram amigos do Simba? O Pumba e o Timão?

Figura 1 - Pumba, Timão e Simba do Rei Leão
Aí, no desenho, eles cantavam uma música assim:
"Hakuna Matata! É lindo dizer!
Hakuna Matata! Sim, vai entender!
Os seus problemas, você deve esquecer
Isso é viver! É aprender!
Hakuna Matata!"

Bem, na versão dublada em português, eles mudaram para "Hatuna Matata" com "T" no lugar de "K", por causa da sílaba "ku" que não soa muito bem em português né? kkkk
Mas a expressão existe de verdade e vem do suaíle, uma língua da África. A tradução literal é "não há problemas", como se fosse realmente um ditado para dizer "no stress". "Deixe seus problemas para trás", diz o Timão.
Em Okinawa, existe uma expressão semelhante! É o famoso...

NANKURU NAISAA!!!
Figura 2 - Isogazu, aserazu, nankuru naisaa (Sem se apressar, sem se preocupar,
as coisas vão dar certo naturalmente)

Nankuru naissaa! Deixa isso de lado! Para que se preocupar?
Já repararam que uchinaanchu é um povo bem sossegado? Bem descontraído?
Então, "nankuru naisaa" é uma expressão que resume bem isso. Vamos esmiuçá-la direito?
"Nankuru" é um advérbio do uchinaaguchi que significa "naturalmente".
"Naisaa", na verdade, é a junção do verbo "nain" com a partícula "saa".
"Nain" significa "tornar-se". É cognato com o japonês "naru".
"Saa" é uma partícula do uchinaaguchi que indica uma leve ênfase no que está sendo dito. Essa partícula foi importada posteriormente ao uchinaa-yamatuguchi (japonês de Okinawa).
Pois então, a partícula "saa" deve ligar-se necessariamente à forma reduzida de "nain", ou seja, o "N" final vai embora e aglutina-se aí a partícula.
Lembram-se da forma reduzida? Se não lembram, deixo um link aqui onde eu explico sobre ela.
  • Nain -> nai- (forma reduzida)
  • Nai- + -saa = Naisaa

Assim, a expressão fica:
  • Nankuru naisaa = (as coisas) tornam-se naturalmente

Ou seja, não precisa se preocupar porque vai dar tudo certo, como se o universo conspirasse a seu favor. Em japonês, diz-se "shizen ni naru saa".
Obviamente que é preciso fazer por onde né? Também não vamos ficar olhando para a lua esperando as coisas darem certo!

Figura 3 - O grupo BEGIN
O BEGIN fala isso no Ojii Jiman no Orionbeer! Olha só uma parte da letra. É legal porque eles colocam um pouco de uchinaaguchi no meio do japonês. Veja só:
Kane ga nai nara, umi ni ga iku saa
Sakana ga areba, ikirareru
Nankuru naisaa yatte mire
Hataraku kara koso yasumareru!

Ou seja,
Se não tenho dinheiro, vou para o mar
Enquanto houver peixe, posso viver
Tente você também o "nankuru naisaa"
É justamente por trabalhar é que depois posso descansar

Como dizia o Fija Byron,
Chibarandee, nankuru naran doo!
Figura 4 - Fija Byron, um dos maiores ativistas pró-uchinaaguchi em atividade atualmente
Se não nos esforçarmos, as coisas não vão dar certo naturalmente!
Essa é a ideia por trás do "nankuru naisaa". Se você fez por onde, se você plantou, não tem porque se preocupar! As coisas vão dar certo naturalmente. Lá na frente você vai colher os frutos.
Então para que stress? O uchinaanchu sabe disso faz tempo!
Tente você também o "nankuru naisaa", o "hakuna matata" do uchinaanchu!

Gusuuyoo! Chaa ganjuu yamisheemi?

Vamos conversar sobre a afirmação acima.
"Gusuuyoo" é uma palavra que se usa para se dirigir a um grupo de pessoas. É equivalente ao japonês "minasan".
"Chaa ganjuu yamisheemi?" é o modo mais polido de se perguntar "como vai você?". Vamos destrinchar isso um pouco?
"Ganjuu" significa "bem, saudável". É equivalente ao japonês "genki". Mas perceba bem que as duas palavras não são cognatas, isto é, não têm a mesma raiz etimológica. Na verdade, "ganjuu" é cognato com o japonês "ganjou" (頑丈).
No entanto, em japonês, "ganjou" não se usa para perguntar se a pessoa está bem. Em português, seria algo como "sólido, robusto". Por exemplo,
  • Ganjou na teeburu = uma mesa robusta (bem construída)

Se usamos "ganjou" para pessoa, a nuance é um pouco diferente. Seria mais ou menos referindo-se ao fato de a pessoa ter um físico mais robusto, tipo de atleta, mas essa pessoa ainda sim poderia pegar uma gripe e continuar sendo "ganjou". A pessoa pode ser "ganjou" sem estar "genki" naquele momento.
No uchinaaguchi, "ganjuu" é usada das duas formas, tanto para se referir à robustez da pessoa quanto para perguntar se a pessoa está bem (se não está doente nem nada). Nessa última acepção, o uso é muito mais comum. Está aí uma diferença de uso de palavras entre o japonês e o uchinaaguchi.
O uchinaaguchi usa a palavra "ganjuu" onde o japonês normalmente utilizaria a palavra "genki". Mas, em japonês, "genki" não pode ser substituído por "ganjou".
Esse fenômeno no qual palavras de mesma raiz etimológica são usadas de formas diferentes em línguas diferentes acontece com bastante frequência nas línguas do mundo. Por exemplo, se vocês, falantes nativos do português do Brasil, escutam isso em espanhol, o que vocês pensam?

Oye, pagaste la propina al mesero?

A primeira coisa que nós, brasileiros, pensamos é "Que maracutaia é essa?!?! Eu não pago propina não! Sou cidadão de bem!!!" Mas não se assustem, "propina" é o termo em espanhol para "gorjeta". A frase acima pode ser traduzida como:

Ei, você pagou a gorjeta ao garçom?

Olha que interessante! Em Portugal, a mesma palavra "propina" significa a mensalidade paga à escola, universidade ou qualquer instituição desse tipo. Somente no Brasil é que a palavra adquiriu um termo negativo, passando a significar a quantia paga ilicitamente para obter certos favores, ou seja, suborno. Então veja:
  • Propina (ES) = gorjeta
  • Propina (PT) = mensalidade
  • Propina (BR) = suborno

Mesma palavra e significados tão díspares. Mas o que elas têm em comum?
É o fato de que, nos três casos, a palavra está sempre relacionada à ideia de dinheiro.
É mais ou menos o que acontece com "ganjuu" (Oki) e "ganjou" (JP). O que as duas palavras têm em comum é que ambas estão associadas à ideia de algo robusto e forte, embora o uso seja bem diferente.
Isso ocorre com vários outros exemplos do japonês e uchinaaguchi! Poderia ficar o dia inteiro aqui listando exemplos desse tipo.
Vamos falar agora do "chaa", pronunciado "tchá" com "A" longo.
O significado mais usual de "chaa" é "como?". É equivalente ao "dou" do japonês e cognato com "ikani" do japonês também, que também significa "como?".
"Dou" (どう) e "ikani" (いかに) em japonês são mais ou menos sinônimos.
No entanto, não é esse o significado de "chaa" no "chaa ganjuu"!
Aí vem a segunda acepção que o significante "chaa" pode tomar. Nesse caso, ele possui o sentido de "sempre, o tempo inteiro". Não sei se vocês já escutaram, mas há outras expressões em uchinaaguchi que envolvem o "chaa" nessa acepção, como por exemplo:
  • Chaa massugu = reto o tempo inteiro (massugu, na verdade, é emprestado do japonês. Isso é uma espécie de Uchinaa-yamatuguchi e não uchinaaguchi propriamente dito)
  • Chaa ʔichi = vai indo direto sem parar
  • Chaa haaee = vai correndo o tempo todo

Portanto, quando perguntamos "chaa ganjuu", perguntamos, na verdade, "sempre firme?"
Aqui, temos o exemplo de duas palavras distintas com a mesma forma! No início, é meio difícil enxergar isso, já que "chaa" (como) e "chaa" (sempre) têm a mesma forma. Mas a razão de serem consideradas palavras distintas é que a etimologia das duas são completamente diferentes, mas coincidiram de desembocar na mesma forma durante o processo de formação das palavras.
Vamos falar agora do "yamisheemi?"
Isso é a terminação de linguagem extremamente polida, chamada de "uyamai kutuba" em uchinaaguchi e "keigo" em japonês.
"Yamisheemi" é equivalente ao japonês "de gozaimasu ka?" e é uma pergunta. É a junção de "yan" (cópula e muitas vezes corresponde ao verbo "ser, estar" nosso) e o prefixo "-misheen". Esse prefixo transforma a frase em linguagem polida. É a maneira mais apropriada de se dirigir a uma pessoa mais velha que você.
E se a gente não colocar esse "yamisheemi" no final?
Aí a expressão fica mais informal! Você fala isso para o seu amigo! "Chaa ganjuu?"
Vejam as variações:
  • Chaa ganjuu? (informal)
  • Chaa ganjuu yami? (informal)
  • Chaa ganjuu yaibiimi? (formal)
  • Chaa ganjuu yamisheemi? (super-formal)

E como se responde a isso?
Dependendo do grau de formalidade vai ser assim.
  • ʔIi, ganjuu yan doo. (informal)
  • ʔUu, ganjuu yaibiin doo. (formal)

Existem diferentes maneiras de se dizer sim e não, mas vou deixar isso para outro post! É uma longa história também.
Para todo mundo ficar saudável, fica aí um exerciciozinho para todo mundo fazer! Rajio Taisou em Uchinaaguchi!!!
Chuu ya ʔussa yaibiin doo, gusuuyoo! Ganjuu sshi ʔacchimisooree!
(Tradução não-literal: Por hoje é só, pessoal! Desejo saúde a todos!)

Eisaa, eisaa, hiyaruga eisaa

Gusuuyoo, nageesaibiin yaa!!! (Pessoal, quanto tempo!!!)
Faz um tempo que não posto aqui e hoje gostaria de falar algumas coisas sobre Eisaa!
Quem nunca ouviu falar do Eisaa? É realmente um dos espetáculos mais sensacionais de Okinawa. Okinawa inteira, de norte a sul, se mobiliza para celebrar esse evento. Os seinenkais de todos os bairros saem pelas ruas tocando sanshin e batendo tambor, num verdadeiro espetáculo digno de se apreciar todo ano.
Bem, o eisaa é sempre celebrado em agosto e tem duração de três dias. Apesar de ser em agosto, normalmente fala-se em "Shichigwachi Eisaa". "Shichigwachi" é uma palavra do uchinaaguchi que signfica "sétimo mês".
Ora, o sétimo mês não é julho?
Figura 1 - Te-odori, dança com as mãos
Sim, o sétimo mês é julho no calendário gregoriano, que é o que nós seguimos atualmente. No entanto, a contagem dos meses, aí nesse caso, é feita levando-se em consideração o calendário chinês. E o sétimo mês desse calendário cai mais ou menos no mês de agosto. Não é exato porque os meses no calendário chinês têm duração diferente do nosso calendário, razão pela qual o ano novo chinês é comemorado sempre em dias diferentes, algo análogo à determinação da época do carnaval aqui no Brasil.
Como já dito anteriormente, a época do Eisaa sempre cai em agosto, mas os dias em que são celebrados variam a cada ano. Acredita-se que, nessa época, os antepassados voltam a Okinawa para celebrar com os vivos. E eles são recebidos com taiko e sanshin, festejam com taiko e sanshin e os vivos se despedem deles com taiko e sanshin também. Em suma, é uma das épocas do ano totalmente dedicada aos antepassados. Cada dia do eisaa, tem um nome específico em uchinaaguchi.
  • 1º dia -> ʔu-nkee
  • 2º dia -> naka nu fii
  • 3º dia -> ʔu-ukui

Figura 2 - Exemplo de performance com oodaiko, o taiko
grande
"ʔu-nkee" significa "as boas-vindas". É derivado do verbo "nkeein", que significa "receber alguém". Também é cognato com o japonês "o-mukae". Podem pronunciar o "U" junto com o "N". A separação por hífen só foi feita para ilustrar que aí há um prefixo junto com um substantivo.
Na verdade, a parte "ʔu-" é um prefixo que designa honorificação. Em japonês, equivale ao prefixo "o-". É o mesmo de "o-hashi", "o-cha", "o-genki desu ka?". Em uchinaaguchi, é muito presente na linguagem formal. Por exemplo, para se referir ao castelo de Shuri, é comum utilizar o termo "ʔu-gushiku", onde "gushiku" significa "castelo".

Nesse dia, cada casa prepara-se para receber seus respectivos antepassados. Algumas famílias acendem uma vela na frente da casa e dizem: ʔu-nkee sabira, mensooree!
Vocês podem ler sobre a minha explicação sobre o "sabira" no post sobre o dialeto de Okinawa (Uchinaa-Yamatuguchi) no link abaixo.
O segundo dia é chamado de "naka nu fii" (ou "naka nu hii" depende da região), que significa literalmente "dia do meio". Durante as três refeições do dia, vai-se trocando a comida no butsudan da família. É muito comum a esposa do chounan (filho mais velho da família) voltar à casa dos pais para passar o dia por lá.
O terceiro e último dia é o "ʔu-ukui". Mais uma vez, vemos a presença do prefixo de honorificação "ʔu-" com o substantivo "ʔukui", que vem do verbo "ʔukuin", que significa "despedir-se". Em outras palavras, é o dia da despedida, cognato com o japonês "o-okuri". É o climax do eisaa! É quando se despede dos antepassados e, portanto, dia de muita festa desejando-lhes boa viagem até o Nirai Kanai, o paraíso em que moram. Recolhe-se a comida do butsudan.
Figura 3 - Grupo de eisaa fazendo o michijunee
Mas o eisaa não é só em casa! Durante os três dias, há muita apresentação de taiko nas ruas! Cada seinenkai realiza o chamado "michijunee", que é tocar sanshin e taiko dando uma volta pelo bairro. Eisaa tem em toda Okinawa, mas o de Okinawa-shi é um dos mais famosos. Lá os grupos de cada bairro fazem apresentação próximo ao portão 2 de Kadena. O grupo mais famoso é o Sonda Eisaa. É simplesmente maravilhoso.
Figura 4 - Chondaraa, presença indispensável em época de Eisaa
Cada grupo de eisaa (geralmente são os seinenkais) tem peculiaridades próprias. Em Okinawa-shi, por exemplo, é muito comum ver os grupos tocando oodaiko e shime, além da apresentação de te-odori (executado pelas meninas) e chondara (veja foto). Já no bairro de Heshikiya e Henna, na península de Katsuren, a indumentária é muito mais simples e não há shime nem oodaiko. O michijunee é todo feito com paarankuu, que é uma espécie de tamborzinho.
É simplesmente espetacular ver um seinenkai atrás do outro, numa demonstração de vigor e juventude impressionante! Uma das músicas tocadas no eisaa - chamada Ten'yoo Bushi - expressa bem o que é o michijunee.
Yeisaa-gwaa ya narati, maa nu shima ni ʔichuga?
Ten'yoo, ten'yoo, shiturituten
Harigayoo nu yuiyana


A parte que realmente tem significado é só a primeira linha da letra acima e diz o seguinte:

"Aprendemos eisaa e agora? Para que bairro nós vamos?"

O resto (ten'yoo, ten'yoo...) é simplesmente para fazer ritmo. Isso é muito comum em música de Okinawa, como min'you por exemplo, e é chamado de "feeshi" (ou "heeshi" dependendo da região. A palavra "feeshi" é cognata do japonês "hayashi". Muitos dos "feeshi" todos nós conhecemos! "Haiya iyasasa" é um deles!
Figura 5 - Apresentação do grupo de eisaa do bairro de Heshikiya, Katsuren, cidade de Uruma.
A indumentária é simples com o uso característico do paarankuu
Reparem na palavra "shima" acima. Eu a traduzi como "bairro". Mas "shima" não quer dizer ilha?
Em japonês, é "ilha" somente. Em uchinaaguchi, "ilha" é só um dos significados! Mas pode significar "bairro" ou lugar de procedência também. Não precisa ser uma ilha propriamente dita, cercada de água por todos os lados. Por exemplo, o diálogo seguinte é perfeitamente possível:
ʔunju nu shimaa, maa yaibii-ga?
Waa shimaa, Nachijin yaibiin.

"De qual lugar o senhor veio?" (Qual é o seu lugar de procedência?)
"Sou de Nakijin." (Meu lugar de procedência é Nakijin.)
Se vocês forem a Okinawa um dia, vocês precisam ver o michijunee! É uma dos eventos mais tradicionais de Okinawa!
HAIYA IYASASA!!!!

Figura 6 - Esquema de um grupo de eisaa