Olá a todos, hoje lembrei-me de uma conversa que tive com um amigo a respeito dessa palavra. Qual o uchinaanchu que nunca ouviu falar do famoso "mensooree"?
Acho que deve haver muitas dúvidas com respeito à grafia correta. Afinal, sempre que tentamos escrevê-la, acabamos por tentar reproduzir aquilo que temos guardado na memória. Só que nem sempre aquilo que a gente acha é, de fato, a representação do que é realmente dito.
Bem, "mensooree" é uma das formas imperativas do verbo "mensheen". Vamos falar mais detalhadamente sobre ele no artigo de hoje.
Em uchinaaguchi, existem diversas formas para se dizer "ir", "vir" e "estar". Se você buscar no dicionário,
ir - ʔichun
vir - chuun
estar - wun
No entanto, há situações que requerem uma maneira mais polida de se dizer esses verbos. A maneira mais polida e cerimoniosa é "ʔimensheen" (tem um "i" depois da parada glotal). Essa palavra pode substituir qualquer uma das três acimas acrescentando polidez à oração.
Há maneiras menos polidas de se falar a mesma coisa. Os nobres de Shuri usavam a forma "ʔmensheen". Essa forma é bem rara, visto que somente a alta nobreza de Shuri usava essa forma. É até um pouco complicada de se pronunciar. Percebam que começa com uma parada glotal seguido de um "m". Na verdade, essa forma é uma corruptela de "ʔimensheen". Na hora de pronunciar, o "m" sai meio abafado e acaba virando uma semivogal. Apesar de a forma ser "ʔmensheen", acaba-se pronunciado algo como "ʔwensheen". É bem raro encontrar alguém hoje que use essa forma.
Em Shuri, a forma "ʔimensheen" é preferida devido à herança de nobreza que tem o lugar. A forma "ʔimensheebiri" é o imperativo formal do verbo. Essa é a maneira mais polida de se dizer "bem-vindo" a uma pessoa.
Em Shuri, a forma "ʔimensheen" é preferida devido à herança de nobreza que tem o lugar. A forma "ʔimensheebiri" é o imperativo formal do verbo. Essa é a maneira mais polida de se dizer "bem-vindo" a uma pessoa.
Contudo, o mais comum mesmo é "mensheen". Essa é a forma que as pessoas que não pertenciam à aristocracia, ou seja, quem não tinha sangue azul, usava. É por isso que nós estamos mais acostumados com essa forma.
E como que se usa isso?
Imagine a seguinte situação. Você telefona para o seu amigo Taruu. Nesse caso, você pode perguntar:
Taruu ya wuibiimi?
Usei "wuibiimi" ali porque você ainda mantém uma certa formalidade em respeito à pessoa com quem você está falando. A maneira mais abrupta (0% de formalidade) de se dizer isso seria "Taruu ya wumi?"
Só que agora, em vez de perguntar sobre o seu amigo Taruu, vamos supor que você queira perguntar de alguém super importante, um VIP, como por exemplo, o presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil (atualmente é o senhor Eiki Shimabukuro).
Nesse caso, é necessário usar uma outra palavra. É preciso dar à frase um grau de formalidade que os verbos usuais "ʔichun", "chuun" e "wun" não trazem consigo. A palavra "mensheen" pode ser usada aqui.
Shimabuku-kaichoo ya mensheebiimi?
Só que a conjugação desse verbo é irregular. Faz-se da seguinte forma:
Tabela 01 - Formas de "mensheen" |
Eu já falei do imperativo num post antigo. Nesse post, eu tinha dito que havia duas formas imperativas que os livros chamavam de "imperativo I" e "imperativo II".
O imperativo I é uma maneira mais abrupta de dar uma ordem. Geralmente, ele vem acompanhado da partícula "yoo" para dar uma suavizada. O imperativo II é mais suave. Na ocasião, o exemplo tinha sido o verbo "comer" (kamun), mas a forma de se construir o imperativo é análogo também para "mensheen".
A desinência do imperativo I é um -i no final. A partícula "yoo" pode ser acrescentada depois.
A desinência do imperativo II é "-ee", ou seja, um "e" prolongado! É importante prolongar esse "e" no final. Da mesma forma que se diz "kamee", "yumee", "ikee" etc., diz-se também "mensooree"! Não é questão de "sotaque". Estamos falando de uma desinência que caracteriza um tempo verbal. Ao se usar hiragana, é imprescindível o uso da barra de prolongamento da vogal, escrevendo dessa forma めんそーれー. Analogamente, escreve-se かめー (kamee), ゆめー (yumee) e いけー (ikee).
Figura 01 - Aeroporto de Naha |
Hoje em dia, é muito comum ver em Okinawa a palavra "mensooree" escrita nas mais variadas formas, principalmente em placas e anúncios. Muitas vezes, "mensooree" é escrito com "e" curto no final, ou seja, a prolongação do "re" final não é feita, grafando-se "めんそーれ".
A figura 1 ao lado mostra uma placa presente no aeroporto de Naha. Logo quando se sai da área das esteiras onde se pega as bagagens, dá-se de cara com esse banner.
Percebam que o hiragana traz escrito "Mensoore Okinawa", com "e" curto. O uso da língua nesse caso é muito análogo a um outro fenômeno também muito comum no Japão inteiro, a saber, o uso de uma língua diferente com fins puramente decorativos.
John Dougill, professor de cultura britânica da Universidade de Ryukoku em Kyoto, escreveu em 1987 um artigo entitulado English as decorative language (Inglês como língua decorativa). Apesar de ter sido publicado há 29 anos, o fenômeno é bem atual ainda hoje. Nesse artigo, ele diz que:
"Comparado com os caracteres chineses usados no dia-a-dia, o romaji (alfabeto romano) do inglês parece inteligente, sofisticado e moderno. De fato, só a diferença entre as escritas já é suficiente para 'sugerir associações glamorosas'. Uma empresa reconhece isso nos papéis para escrever que produz: 'The very best stationery for people who get excited when the see English all over everything' (Os melhores artigos de escritório para pessoas que se empolgam quando vêem inglês em todas as partes). Aparentemente, o inglês nunca é pelo menos lido, mesmo por estudantes e professores da língua: é puramente decorativo.
Essa função decorativa ajuda a explicar a alta frequência de erros de ortografia, gramática e usos esdrúxulos das palavras, visto que o meio, e não o conteúdo, o objeto da mensagem.(...)" [1]
Ele escreve tendo em vista esse uso decorativo da língua inglesa, mas a gente pode traçar o mesmo paralelo com o uchinaaguchi. A diferença é que o uso decorativo do uchinaaguchi traz associações diferentes. Enquanto o inglês tem um ar mais "moderno" e de "internacionalização", o uchinaaguchi tem um ar mais "okinawano", ou seja, aquele sentimento do "ichariba choodee". Okinawano tende a ser mais caloroso que o japonês. Ou seja, o uso decorativo da língua faz alusão aos estereótipos comuns que se atribuem a Okinawa. O fenômeno descrito é justamente igual ao que o professor John Dougill descreveu em seu artigo. A língua não tem fim comunicativo nenhum, portanto, não existe nenhuma preocupação com relação à ortografia correta da palavra, até mesmo porque os uchinaanchu de hoje, em sua maioria, não sabem falar a língua. Eles não têm como saber qual é a pronúncia correta.
O professor Dougill continua dizendo no mesmo artigo que:
"(...) A completa falta de preocupação com o aspecto comunicativo da língua corrobora a teoria defendida por muitos comentaristas ao longo dos anos de que, embora os japoneses sejam fascinados por línguas estrangeiras e pessoas, eles não se interessam muito em saber as coisas nos detalhes. No espelho do mundo do Japão, onde a aparência frequentemente diverge da realidade, o uso do inglês como uma língua decorativa não indica de maneira nenhuma uma tentativa séria de se aderir à sugestão de Kyoto para se tornar bilíngue." [2]
O mesmo pode ser dito para Okinawa. Em 2012, o atual governador de Okinawa Takeshi Onaga, quando ainda era prefeito de Naha, instituiu o Naha-shi Haisai Undou (Movimento Haisai de Naha). Nesse movimento, os funcionários da prefeitura da cidade deveriam saudar as pessoas falando "haisai" ou "haitai" e agradecendo com "nifee deebiru". O famoso "irasshaimase" do japonês foi substituído por "mensooree".
Diz-se que o que fez com que o prefeito tomasse essa atitude foi justamente o Uchinanchu Taikai do ano anterior. Ao receber várias comitivas estrangeiras de Associações Okinawa espalhadas pelo mundo, muitos perguntavam por que eles (os políticos de Okinawa) falavam somente em japonês, sendo que estavam todos "entre uchinaanchus". Parece que ver o uso do uchinaaguchi vivo com os próprios olhos teve um impacto considerável nele.
Embora a intenção tenha realmente sido uma das melhores, o uso do uchinaaguchi nesse caso continua sendo puramente decorativo. O professor Dougill diz, num outro artigo publicado em 2008 sobre o mesmo assunto,
"O inglês funcional é diferente do inglês decorativo, pois aquele visa verdadeiramente a comunicação. Pode-se esperar aqui um nível melhor de inglês, mas esse não é sempre o caso. Todo japonês instruído estudou inglês por, pelo menos, seis anos e a maioria estudou por mais tempo do que isso. Porém, por razões culturais e linguísticas complexas, os resultados não são comensuráveis com o tempo e o esforço. Infelizmente, erros são inevitáveis devido às diferenças entre as duas línguas. (...)" [3]
Mais uma vez, o mesmo paralelo pode ser traçado para o uchinaaguchi. Perdem-se as nuances reais dos termos da língua. O objetivo principal não é usar a língua para comunicar, mas sim evocar uma determinada imagem. Para realmente entender como se usam os termos, é preciso estudar o idioma da mesma forma que se faz com inglês. Para entender a diferença entre "mensooree" e "ʔimensheebiri", é preciso saber o uchinaaguchi funcional, ou seja, a língua viva. Isso deveria ser ensinado nas escolas da mesma maneira que se aprende japonês. Sem esse conhecimento, há a possibilidade de incorrer no mau uso do termo. E isso é mais comum do que se pensa. Por razões históricas complexas, o povo de Okinawa hoje não é mais proficiente na sua própria língua, portanto eles não têm como saber também que o "-ree" de "mensooree" precisa ser prolongado até mesmo por questões gramaticais de conjugação verbal.
O termo "mensooree" é coloquial demais para ser usado num órgão importante da cidade. O mais adequado devido ao ambiente seria o uso de "ʔimensheebiri". Provavelmente, o termo em português que mais se aproxima de "mensooree" seria "venham!" ou "bem-vindo". Em japonês, seria "irasshai".
Agora "ʔimensheebiri" é diferente. É como dizer "sejam bem-vindos" numa situação cerimoniosa. Em japonês, é o "irasshaimase" por excelência.
Se, por exemplo, você for fazer um banner para um evento da comunidade, provavelmente não vai haver problema se utilizar "mensooree". Até mesmo porque, em muitas ocasiões, não há motivo para tanta formalidade. Mas, ao fazê-lo, esteja consciente de que o "-ree" final precisa ser necessariamente prolongado.
Figura 3 - "Mensoore" usado como decoração numa faixa |
Figura 4 - "Mensooree" com "ree" prolongado usado numa placa de izakaya estilo okinawano |
Vejam as figuras 3 e 4. Ambas as formas são decorativas, mas uma traz o "mensoore" sem prolongação e o outro com prolongação. A ocorrência de ambas as formas é aleatória. No entanto, somente a figura 4 traz a ortografia correta.
Bem, vou parando por aqui para não me alongar mais do que já alonguei. Esse assunto ainda dá muito pano para manga. Diga-me o que pensa aqui ou na nossa página do Facebook.
Referências:
[1] DOUGILL, J. English as decorative language. English Today, n. 12, p. 33, outubro 1987.
[2] DOUGILL, J. English as decorative language. English Today, n. 12, p. 35, outubro 1987.
[3] DOUGILL, J. Japan and English as an alien language. English Today, n. 24, p. 20, março 2008.
No comments:
Post a Comment