Olá, amigos! Hoje, dia 23 de junho de 2015, é a data oficial do 70º aniversário do término da batalha mais sangrenta do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, a Batalha de Okinawa.
No entanto, o ex-governador de Okinawa Masahide Ota conta em seu livro que considera essa data um tanto imprecisa. Assim ele diz em seu livro Essays on Okinawa Problems:
"Comumente entende-se que a Batalha de Okinawa iniciou-se em 1º de abril de 1945, quando tropas americanas aportaram à ilha de Okinawa, e terminou no dia 23 de junho de 1945. (As forças americanas consideram que a batalha teve seu fim no dia 22 de junho). A maioria dos livros didáticos no Japão adotam o dia 22 ou 23 de junho para o fim da batalha.Na minha opinião, entretanto, essas datas são imprecisas e também inadequadas para refletir a dimensão da Batalha de Okinawa. Se se considera o dia 1º de abril para o início da Batalha, desconsidera-se o trágico incidente que levou aproximadamente 700 civis das Ilhas Kerama, direta ou indiretamente, a atos de autodestruição em massa. Outro fator que desapareceria da história da Batalha de Okinawa ao adotar 1º de abril como seu início é que, logo após as tropas americanas chegarem às ilhas Kerama, a Marinha americana pôs em vigor sua diretiva nº 01, suspendendo a administração e a jurisdição do governo japonês e declarando a área ocupada e seus residentes estarem sob o governo militar dos Estados Unidos. Essa diretiva, emitida no dia 23 de março de 1945 – anterior ao ataque americano à ilha principal – deve ser considerada como parte da Batalha de Okinawa.Similarmente, é também impreciso marcar a conclusão da batalha para o dia 23 de junho. No dia anterior, o Tenente General Mitsuru Ushijima, oficial em comando do 32º Batalhão japonês nas ilhas do sudoeste, e o Tenente General Isamu Cho, o chefe de Estado-Maior, perceberam que uma defesa organizada não era mais possível e cometeram suicídio. Contudo, enquanto os esforços de manter uma defesa organizada deixaram de existir no dia 22 de junho, combates localizados continuaram a ocorrer. Ademais, as tropas americanas aportaram em Kume no dia 26 de junho, fato que fez eclodir o terrível ‘Incidente de Kume-jima’, no qual as forças de defesa japonesas assassinaram 20 residentes de Kume e mais 9 soldados na suspeita de serem espiões americanos. Ao estipular o dia 23 de junho como término da Batalha de Okinawa, esse incidente, que era deveras típico e condizente com a natureza da batalha, passa despercebido."
(tradução minha)
Bem, o intuito não é
questionar se a data de hoje é apropriada ou não para se comemorar o fim da
Batalha. O relato do Sr. Masahide Ota chama a atenção para um fato que, às
vezes, passa despercebido entre nós. Fatos históricos não são pontuais. São
parte de um contínuo e, para analisar corretamente a natureza de um fato
histórico, é necessário levar em consideração o contexto antes e as
consequências que esse fato deixou para as gerações futuras. O Sr. Ota chama à
nossa atenção fatos relevantes que tiveram um impacto significativo na Batalha
de Okinawa, mas que ocorreram fora do intervalo de tempo oficialmente
estabelecido no qual durou o evento.
Figura 1 - O ex-governador de Okinawa Masahide Ota |
A Batalha de Okinawa especificamente foi um evento histórico que marcou também a nós! Se considerarmos toda a comunidade uchinaanchu do Brasil, podemos dividí-la, a grosso modo, em famílias que vieram antes e depois "da guerra". E quantas histórias nossos pais e avós têm para contar dessa guerra, mesmo aqueles que vieram antes?! Os que não ficaram lá para ver com os próprios olhos tiveram que viver na apreensão, com o coração apertado, preocupados com os parentes queridos que ficaram na ilha.
São tantas memórias dolorosas que esse assunto é tabu em muitas famílias. De fato, para estudar esse evento histórico, é preciso ter nervos de aço às vezes. São muitos relatos de cortar o coração da gente.
A Batalha de Okinawa é extremamente complexa e envolve muita coisa, mas uma coisa que é bastante importante destacar é que falar as línguas locais de Okinawa poderia custar a vida dos civis da época. Há relatos de pessoas que foram friamente assassinadas por soldados japoneses por falarem um "dialeto incompreensível" e, por isso, foram taxadas de "espiãs".
Houve pessoas que foram mortas simplesmente por serem o que eram: uchinaanchus.
Todos esses relatos tiveram um grande peso no que viria décadas mais tardes. Entre 1945 e 1972, houve em Okinawa, agora sob a administração dos Estados Unidos, um movimento de exterminação do "dialeto" (Hougen Bokumetsu Undou) ainda mais forte e intenso nas escolas, levado a cabo pelos professores locais, numa tentativa de boicotar as políticas educacionais estabelecidas pelos americanos. As experiências passadas levaram os okinawanos (pelo menos, em sua grande parte) a crer que voltar a ser japonês era a maneira mais eficaz de se ver livres de novo. Foi justamente nessa época que as línguas de Okinawa sofreram uma repressão ainda mais acentuada. Já quando Okinawa voltou a ser parte do Japão em 1972, grande parte da população local já usava o japonês como língua corrente.
Assim, temos uma ideia de por que é tão difícil aprender uchinaaguchi. Mais complicado ainda é aprender as outras línguas de Ryukyu. Não somente devido ao fato de essas línguas terem sua complexidade intrínseca, mas porque foram extirpadas de seu prestígio inicial e sofreram tremenda repressão durante todo o século XX. A Batalha de Okinawa especificamente tem sua parcela de contribuição nisso. Não é à toa que a informação é extremamente escassa. Essa página, Línguas de Okinawa, tem o intuito de justamente suprir essa escassez!
Relembrar essas coisas, no entanto, não deve servir para fomentar desavenças ou mais ódio e apontar o dedo para culpados. Embora não seja nada agradável tocar nesses assuntos, é de suma importância fazê-lo para termos uma ideia do que foi perdido. Restaurar um pouco do prestígio de que as línguas de Ryukyu gozavam antigamente é uma maneira de suavizar os problemas atuais por que passa Okinawa. É importante para podermos pensar num futuro próspero e cheio de paz.
Enquanto isso, rezamos por todos que sucumbiram nessa batalha sangrenta, sejam okinawanos ou não!
Uutootu aatootu!!!
うーとーとぅ あーとーとぅ!
Figura 2 - Cerimônia do 70° aniversário do fim da Batalha de Okinawa com o atual governador de Okinawa Takeshi Onaga |
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