Quem nos conta é o professor da Universidade de Ryukyu Kurayoshi Takara. O texto foi traduzido para o português e disponibilizo abaixo.
Figura 1 - Exemplo de escrita em Ryukyu antigo |
Na época em que o reino de Ryukyu era independente (Ryukyu antigo), que tipo de escrita era utilizada nos textos? Muito provavelmente, a maioria das pessoas acredita que o estilo dos textos dessa época era chinês devido à relação de estado vassalo que Ryukyu mantinha com a dinastia Ming da China. No entanto, dentro do reino o estilo de texto chinês praticamente não era utilizado e, com isso, pode-se pensar: “Será que Ryukyu possuía seu próprio sistema de escrita?”. Bem, a resposta é não. Na verdade, internamente o que era usado em larga escala era o hiragana do Japão.
As notificações emitidas pelo rei aos seus súditos (como na figura em anexo) eram todas escritas em hiragana em sua forma cursiva e era semelhante à escrita conhecida como souroubun usada no Japão medieval. Nesse tipo de texto, as sentenças, diferentemente do japonês moderno, não terminavam em -desu, mas sim “-sourou” era o prefixo usual de fechamento dos períodos.
Obviamente, a escrita utilizada nos documentos oficiais enviados à dinastia Ming por oficiais de Ryukyu era, de fato, a escrita chinesa. Não por escolha, mas sim porque esses tipos de documentos deveriam estar conforme os padrões estabelecidos pela dinastia Ming à época. Os textos que não obedecessem a esses padrões eram sumariamente ignorados. Por esse motivo, países como o Japão, Coreia e outros do Sudeste Asiático também seguiam as mesmas regras, além do reino de Ryukyu.
Monumentos de pedra confeccionados na época de Ryukyu antigo utilizam hiragana. Por exemplo, o monumento de pedra do castelo de Urasoe (ilustrado na figura abaixo), construído em 1597, tem gravado na sua frente escritas em hiragana e no lado de trás pode-se observar a escrita chinesa. Está escrito os nomes dos membros do sanshikwan[1] na pedra ilustrada na figura.
Figura 2 - Monumento de pedra do castelo de Urasoe |
A figura transcreve-se no trecho abaixo:
くにかミの大やくもい、ま五ら
とよミ城の大やくもい、まうし
なこの大やくもい、またる
Kunigami nu ufuyakumui, magura
Tuyumigusuku nu ufuyakumui, mooshi
Nagu nu ufuyakumui, mataru
E refere-se aos weekata[2] de três regiões: Kunigami, Tomigusuku e Nago. Antigamente, era assim que eram conhecidos.
A partir desse fato, pode ser que se pense que Ryukyu era exatamente igual ao Japão. Isso, todavia, não é bem assim. A conclusão é exatamente a oposta: Ryukyu não era igual ao Japão. À primeira instância pode parecer estranho, mas o motivo será explicado nas linhas a seguir.
Primeiramente, no Japão medieval o hiragana não era utilizado em documentos públicos. O que se utilizava era a escrita chinesa seguindo-se a estilística surgida no Japão. O hiragana era considerado um sistema de escrita de mulheres, usado majoritariamente em textos privados e pessoais. Ou seja, o que era utilizado em situações informais e privadas no Japão foi adotado como convenção de escrita de textos de caráter geral e público. Nesse aspecto, Ryukyu é completamente diferente do Japão.
Além disso, os documentos públicos eram escritos em hiragana ao passo que o nome das eras era escrito usando-se a forma chinesa. Isso devia-se ao fato de Ryukyu ser um Estado vassalo da dinastia Ming. No Japão, a escrita das eras não se dava dessa maneira. E, apesar de se utilizar o hiragana, as palavras e expressões escritas eram completamente inexistentes no Japão. A pura e simples capacidade de ler hiragana não dava à pessoa a capacidade de compreender o significado de um texto escrito em Ryukyu antigo.
Assim, a conclusão de se considerar Ryukyu igual ao Japão simplesmente pelo fato de ambos usarem o hiragana não se sustenta. É o mesmo que considerar que o Japão e a China são iguais pelo fato de o kanji ser usado por ambos. Na verdade, é uma cultura que veio de fora e que foi adotada por Ryukyu, fazendo disso algo também propriamente seu.
Kurayoshi Takara, professor honorário da Universidade de Ryukyu
Título original “Ryukyu wa donna moji wo tsukatte ita?”
Notas:
[1] Sanshikwan (三司官) foi um conselho formado por três ministros em Ryukyu que configurava um orgão da esfera executiva do antigo reino. Hierarquicamente, situava-se abaixo do shisshii (摂政), que era o equivalente ao Primeiro Ministro. Seus membros pertenciam à classe de weekata (classe aristocrática de alto prestígio) e eram escolhidos por meio de votos de membros da família real e da mais alta aristocracia do reino.
[2] Weekata (親方) era uma das mais altas classes aristocráticas de Ryukyu. Acima dos weekata, havia os aji, que era uma classe semelhante a senhores feudais.
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